O Mundinho
Todos nós, em algum lugar muito escondido,
secretamente guardado dentro de nós, temos uma espécie de mundo interior, um
mundinho real e ordinário ou simplesmente um mundinho qualquer. Uma parte do
que vivemos, um pedaço do passado que não conseguimos esquecer e muitas vezes,
nem ao menos lembrar. Meu mundinho era muito real e faço questão de não
esquecê-lo, embora eu chore toda vez que meu pensamento devaneia nele,
instantes em minha vida que desejo lembrá-lo.
A casa velha na frente do quintal, a mesa de sinuca, as hortelãs na lateral da casa, a janela dando vista para a rua, a sala com goteiras por causa das telhas velhas, o banheiro com as paredes revestidas de páginas de revistas, um hall estreito, um quarto com lençóis ainda forrados no chão, o pé de amora tombado para o quintal da casa de baixo, o pé de abacate, de banana, de limão, a velha e grande amendoeira, eu pegava o seu fruto caído no chão, nem lavado era, gostava muito e a sombra desta bela árvore era a melhor do lote 9, quadra F. Se o paraíso existe, é ali mesmo que ele se encontra, ou que um dia se encontrou, nem sei direito se este lugar ainda existe, e se existir, não deve ser o mesmo. A diversão também era boa na rua, com pique-pega, pique-bandeira, pique-lata e queimado, as crianças ficavam até o entardecer e depois faziam uma fogueira, linda e grande, não se sabe se era para espantar mosquitos ou só diversão mesmo.
E o pior de tudo era quando chegava à noite, tomar banho gelado e de “cuia”, porque não tinha chuveiro, muito menos água quente, tinha dia que nós estávamos tão cansadas que caíamos na cama sujas e a nossa mãe passava um pano úmido, pelo menos nos pés, para disfarçar a ira do pai. E como é doce lembrar de tudo isto, é como mel na boca e espero nunca esquecer tamanhos momentos, pessoas e lugares, é um mundo só meu e aconteça o que acontecer jamais alguém poderá tirar de mim. Este mundo nunca se apagará da minha memória, foge a nitidez das cores, mas o teor jamais.
Algumas noites eu penso em todas as coisas boas que aconteceram e me pergunto por que não consigo esquecê-las. O meu mundinho, nunca deixo de pensar nele e sou capaz de sentir o perfume suave das flores perto do pé de abacate, o balanço improvisado no pé de manga, a melhor recordação de uma criança.
Você
seria capaz de lembrar do seu mundinho? Podemos mentalmente e sair um pouco
desta realidade nua e crua.
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